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Morre no Rio, aos 89 anos , Nelson Pereira dos Santos um dos maiores cineastas do Brasil


Morreu neste sábado (21), aos 89 anos, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, um dos precursores do cinema novo e diretor de filmes centrais da história brasileira, como “Rio, 40 Graus” (1955) e “Vidas Secas” (1963) Sua morte foi confirmada pela Academia Brasileira de Letras, que informou que o cineasta estava internado no Hospital Samaritano, no Rio. A causa não foi informada. Nelson Pereira dos Santos nasceu em São Paulo, no bairro do Brás, filho do alfaiate Antônio Pereira dos Santos (1897-1970) e Angelina Binari dos Santos (1900-1992). O pai, cinéfilo, tinha o hábito de levar o filho com frequência ao Cine Teatro Colombo, onde por vezes passavam toda a tarde de domingo assistindo aos filmes que eram apresentados.

Durante a adolescência, ao longo do curso secundário, seus horizontes se alargaram: passou a participar de cineclubes e atividades de teatro amador, tendo atuado como diretor e ator. Simultaneamente, começou seu envolvimento com política, tendo se filiado ao Partido Comunista Brasileiro, que só deixaria em 1956. Em 1947 iniciou-se em sua primeira profissão, o jornalismo, ao se tornar revisor do "Diário da Noite". Com o que recebia como salário podia ajudar a família, ao mesmo tempo em que estudava, a partir do mesmo ano, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a famosa Academia do Largo de São Francisco. O estudo de direito não foi marcante para o jovem Nelson, exceto, talvez, pelo fato de estar no mesmo lugar onde no passado estudara Castro Alves, um dos escritores que mais profundamente o marcaram.

Seu objetivo de adolescência, de se tornar cineasta, aprofundou-se em 1949, quando viajou a Paris. Durante dois meses, pôde frequentar a Cinemateca Francesa, de Henri Langlois, e aproximar-se do intenso movimento intelectual parisiense do pós-guerra, onde o cinema jogava papel essencial. Ao voltar, em 1950, filma "Juventude", média metragem de 45’ destinado ao Festival da Juventude, encontro de jovens comunistas em Berlim Oriental. A este filme, cujo negativo foi perdido, seguiu-se um documentário incompleto. O essencial dessa experiência amadora foi, segundo o cineasta, a descoberta do cinema. Casado também desde 1950 (com Laurita Sant’Anna), Nelson decidiu aprofundar sua experiência cinematográfica, trabalhando sucessivamente como assistente de Rodolfo Nanni em "O Saci" (1951), Ruy Santos em "Aglaia" (incompleto) e Alex Viany em "Agulha no Palheiro" (1952).


Desde que aceitou o convite de Ruy Santos, ainda em 1951, passou a morar no Rio de Janeiro, que adotou desde então como sua cidade. O cinema do Rio de Janeiro naquele momento correspondia mais aos ideais políticos e cinematográficos de Nelson. Considerava desde então que era necessário que os filmes trouxessem "na tela a vida, as histórias, as lutas, as aspirações" dos brasileiros (revista Fundamentos, janeiro de 1951). Algo bem diferente do que preocupava a indústria de cinema paulista, liderada naquele momento pela Cia. Vera Cruz. Aproveitando a experiência adquirida durante sua passagem por Paris, além da experiência como cinéfilo e assistente, preparou o seu primeiro longa, "Rio 40 Graus". 

Filmado com uma câmera emprestada pelo INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), com recursos extremamente modestos, em sistema cooperativo, este foi, no entanto, o mais inovador dos filmes dos anos 1950 no Brasil. Introduzia o neo-realismo entre nós, ao mesmo tempo em que já anunciava o Cinema Novo, movimento que, na década seguinte, transformaria o entendimento do cinema no Brasil (e também internacionalmente). A ideia consistia em, através de cinco histórias, mostrar um Rio de Janeiro diferente daquele que o cinema explorava até então: havia os ricos e os pobres, a zona norte, os negros, a descrição da vida cotidiana em contraste com as grandes aventuras propostas então pelo cinema industrial. Terminado em 1955, o filme foi censurado (os motivos, segundo o diretor eram absurdos; um deles sustentava que a temperatura de 40º. nunca tinha acontecido no Rio de Janeiro) e apenas liberado após a posse de Juscelino Kubitschek como presidente da República.

Em "Rio Zona Norte", seu segundo filme, Nelson procurou dialogar com o cinema popular (a chanchada), ao narrar a história de um compositor popular (Grande Otelo), sua luta para ter uma música gravada e a necessidade de vender seu trabalho para sobreviver (e para que fosse divulgado). Embora forte, e apesar da participação de Angela Maria, o filme não obteve o sucesso esperado. Seu próximo e ambicioso projeto era "Vidas Secas", que precisou adiar porque, quando chegou com sua equipe ao sertão baiano para iniciar as filmagens, aconteceu um ano de muitas chuvas... Era o inverso do que previa o roteiro baseado no livro de Graciliano Ramos


Para não perder a viagem (e o dinheiro da produção), improvisou "Mandacaru Vermelho" (1960). Em seguida, contratado por Jece Valadão (seu galã e associado em "Rio 40º."), filmou "Boca de Ouro", adaptação da peça de Nelson Rodrigues (1963). Ao voltar ao Nordeste para filmar "Vidas Secas", levou, por indicação de Glauber Rocha, o fotógrafo cearense Luis Carlos Barreto (fotógrafo da revista Cruzeiro e já ligado ao cinema naquele momento). Estreante na fotografia de cinema, Barreto decidiu tirar todos os filtros e filmar a nu. 

Com isso, promoveu uma revolução na percepção da luz nordestina, sendo um dos pontos fortes deste filme que representou o Brasil em Cannes em 1964, juntamente com "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha. O imediato reconhecimento da originalidade seja da dramaturgia, seja da mise-em-scène que os brasileiros traziam naquele momento mostrou-se fundamental para o desenvolvimento do cinema no Brasil e nos países periféricos de modo geral, embora tenha influenciado inclusive a produção européia.

A tomada de poder pelos militares em 1964 levou Nelson a um progressivo retiro. Após "El Justicero" (1966), filme menor, passou a produções experimentais, ou quase, com destaque para "Fome de Amor" (1969), até hoje um poderoso documento sobre o isolamento dos movimentos da esquerda armada. "Azyllo Muito Louco" (1970) falava bem mais sobre o desespero do cineasta naquele instante do que sobre o conto de Machado de Assis ("O Alienista") que buscava adaptar, e refugiava-se em alegorias bastante obscuras para falar daquele momento. Algo próximo de "Quem É Beta?", de 1974. 


"Como Era Gostoso o Meu Francês" (1972) surge como uma evocação da antropofagia (ideia de Oswald de Andrade, então recuperada pelos poetas concretos e compositores tropicalistas), e fez sucesso na Europa (sobretudo porque tinha muitas mulheres peladas, segundo o cineasta). Sucesso no Brasil ele obteve, efetivamente, com "Amuleto de Ogum" (1976), onde trazia ao centro da cena as religiões afrobrasileiras. 

Novamente o candomblé estaria destacado em "Tenda dos Milagres" (1979), adaptação do livro de Jorge Amado. Amado é outro autor marcante para Nelson, mas, ao contrário da parceria com Graciliano, nunca rendeu um filme de sucesso, tanto de público como de crítica. Já o musical "Estrada da Vida" (1980) foi um dos grandes êxitos do autor nas duas frentes. Por um lado, ao filmar a trajetória da dupla Milionário e José Rico, obteve grande sucesso. Por outro, chamou a atenção da produção "culta" do cinema brasileiro para a necessidade de filmar um repertório verdadeiramente popular. A mesma preocupação que tivera ao fazer "Rio 40º." voltava a se manifestar agora, embora sob novas condições. Era o momento mais produtivo da Embrafilme.


Sua última obra-prima, "Memórias do Cárcere" (1985) novamente teria por base um texto de Graciliano Ramos. Embora descrevesse a prisão do escritor durante o governo Getúlio Vargas, nos anos 1930, o fime nitidamente era uma referência à ditadura militar instalada no Brasil desde 1964 e, então, já em estado terminal. "Jubiabá", nova adaptação de Jorge Amado, foi lançado em 1993, num momento de descrédito do cinema brasileiro. A repercussão modesta repetiu-se em "A Terceira Margem do Rio" (1995), adaptação também recebida com frieza de alguns dos contos de "Primeiras Estórias", de Guimarães Rosa. A essa série de fracassos somou-se a repercussão modesta de "Cinema de Lágrimas" (1995), feito para as comemorações do centenário do cinema, onde enfocava a produção latino-americana, em particular a mexicana. 

O surgimento de um novo sistema de financiamento, que exigia a busca de patrocinadores pelos cineastas, terminou inviabilizando seus principais projetos de ficção, que exigiam grande produção, como "Castro Alves em São Paulo". O cineasta dedicou-se, desde então, sobretudo ao documentário. Castro Alves (1998), Sergio Buarque de Hollanda (2003) e Tom Jobim (2012-13) foram seus principais trabalhos desde então, com exceção de "Brasília 18%" (2005), ficção com produção razoavelmente modesta, onde a corrupção na capital do país era o tema central (os 18% fazem alusão às comissões recebidas por negócios, embora se refiram mais diretamente à secura do ar no Planalto Central). Por outro lado, "Brasília 18%" soava como contraponto ao inaugural "Rio 40º.", apontando uma mudança civilizacional nem sempre positiva. 


A entrada para a Academia Brasileira de Letras, em 2006, associou a Nelson Pereira dos Santos, em definitivo, a imagem de "pai do cinema brasileiro" (que herdara do pioneiro Humberto Mauro). Talvez a entrada para a ABL tenha significado menos para o cineasta (que só chegou lá graças à publicação de alguns roteiros de sua autoria, pois nunca se teve na conta de escritor) do que para o cinema brasileiro, que sempre viveu à margem da cultura oficial do país (e, em seus melhores momentos, contra ela) e viu-se com isso integrado a ela. Quanto a Nelson Pereira, é difícil pensar, com efeito, em outro nome capaz de representá-lo tão bem em tantas esferas: ele é o inovador que lançou a geração de 1950 num novo caminho e preparou a chegada do Cinema Novo; movimento dos anos 1960 de que é um dos mais férteis realizadores. Nos anos 70, após o pesadelo que foi o governo Médici, participou da reformulação da Embrafilme e foi ativo nesse momento em que o cinema "de prestígio" foi patrocinado pela empresa estatal. 

Depois do fechamento da Embrafilme, no primeiro dia do governo Collor, em 1990, foi dos primeiros a reagir e conseguir realizar um filme, mesmo num momento em que as condições de produções escasseavam. Por fim, com dificuldades para montar os projetos com que sonhava dentro do novo sistema de captação de recursos que se criara (Lei do Audiovisual, leis de incentivo, etc.), dedicou-se essencialmente aos filmes documentários, em que abordou questões da formação cultural brasileira (Casa Grande & Senzala, Sergio Buarque de Hollanda, Tom Jobim). Também nesse setor, mostrou-se um mestre discreto e eficiente. Discrição e eficiência que sempre foram a marca de seu cinema simples. Simples no sentido de uma arte que evita todo ornamento e busca o fundamento das coisas. Pode-se também chamar "clássico".

Fonte: Folha
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